segunda-feira, fevereiro 18, 2008

COLOCAR UMA VERDADE ONDE ESTÁ UMA MENTIRA

Este mail, abaixo copiado, é resposta de um leitor, cujo o texto não é assinado, ao artigo de S. Araújo, com o título «A auto atribuição da data de 4 de Fevereiro».


A verdade histórica é um bem na conquista de uma relação sadia dentro de uma sociedade.

Criei uma relação de simpatia por este comentário, porque o seu autor mostra, não só, ser portador de conhecimento privilegiado sobre a questão levantada pelos jovens, mas também, por verter mais luz ao tema. O comentário não deixa de colocar-se em consonância com muitas vozes que negam aquilo que foi ensinado na história oficial, e coloca um enfoque diferente na abordagem do problema. Entretanto, há alguns aspectos formais que me preocupam e que gostaria de comentar:

Questão prévia: Estou inteiramente de acordo com a preocupação dos jovens ao pretenderem ser esclarecidos, em definitivo, sobre este facto político, de certa relevância histórica para o país, que lhes foi apresentada por diversos meios (escola, ambiente familiar, encontros políticos, declarações de personalidades políticas etc.), como tendo ocorrido sob a paternidade de determinado movimento político (o MPLA).

1º Não acho que o percurso deste problema tenha ficado pela mera usurpação da paternidade da data. Mesmo que assim fosse, aceitando as circunstância compreensíveis que levaram a tomada de posição,” oportuna”, seria de bom tom e politicamente correcto assumir a seu tempo a verdade dos factos. Mas, o posicionamento político circunstancial, historicamente necessário, foi reelaborado e num segundo momento, transformado num património histórico e político de relevo de um dos movimento independentista (o MPLA). Passou a ser um marcador simbólico de grandiosidade nacionalista, e utilizado indevidamente como capital histórico e institucional na cena politica nacional.Este aproveitamento foi intencionalmente estruturado num discurso politico e numa historicidade com várias inverdades, que entrou inclusive na formação escolar de algumas gerações mais novas.

Portanto, penso ser neste desenvolvimento posterior, nesta tentativa de perpetuar tal situação sustentada numa construção falsa e distante da história, que passamos da “usurpação da paternidade” à falsificação da história. Neste aspecto, concordo que tenha havido falsificação, e sou de opinião que deve ser dado o verdadeiro nome as coisas.

2º Quanto a questão dos ganhos que o País poderá ter com estas polémica. Acho que os jovens, ao reclamar o conhecimento da verdade e ao proporem uma reflexão sobre o tema, demonstraram uma preocupação que é legítima, actual e pertinente. Pois, um facto histórico que acabou por entrar na memória colectiva da sociedade angolana e na eventual formação destes jovens, não deve ser deixado a sorte do silêncio intencional daqueles que não podendo sustentar a mentira, preferem a ausência da verdade, um vazio muitas vezes preenchido pelo que ficou dito( a mentira).

A reconstituição da história não é uma necessidade meramente académica ou um exercício que deverá ser encarado como pouco importante. A história das sociedades e nações modernas, são pródigas em exemplos de busca da verdade para criar e construir entendimentos e paz social, diria mesmo para exorcizar os países dos maus instintos e espíritos.É também um bom exercício de pedagogia na criação de novas mentalidades e formas de estar na vida social e política. O necessário é fazer vingar, normas de civilidade no debate. É preciso passarmos a colocar uma verdade no lugar onde terá sido posta uma mentira. É o momento para perguntar :Não é também esta, uma boa altura para as pessoas saberem o que se passou e o que se passa no nosso país?

4 comentários:

Anónimo disse...

Conacry,10 de agosto de 1961 Ref. 383/21/61

Hugo Azancot de Menezes

Recebida aos 24/08/61


Caro Hugo

Estimamos que tu e a tua fam�lia tenham feito uma excelente viagem e que voc�s todos gozem de boa sa�de.

Diz-nos urgentemente de que necessitares a�. Estamos aqui para servir da melhor maneira.
1-Junto te envio copia de uma carta que o director do EXPRESSEN dirigiu ao bureau da CONCP.
Pelos vistos j� est�o a caminho de L�opoldville 3 toneladas de medicamentos, de medicamentos ,os quais se destinam a CVAAR.
Achamos que � muito importante reter a seguinte passagem da carta do director do EXPRESSEN: � Nos remede sont a leur disposition, mais s`ils n`arrivent pas a L�o ces temps -ci les remede seront distribu�s aux infirmeries au long de la frontiere.

Se for poss�vel ,� muito conveniente que te apresentes urgentemente ao M. Gosta Streiffert , coordenador em chefe da ac�o em favor dos refugiados angolanos no congo.

Os fins da tua visita ao Streiffert dever�o ser os seguintes:

a) Garantir- lhe a pr�xima chegada ao Congo de mais dois m�dicos angolanos. ( Com efeito, o ministro da sa�de deste pa�s acaba de dizer ao Eduardo que ele pode partir quando ele quiser .Em face disso, � quase certo que o Eduardo e o Boavida partir�o no pr�ximo barco, ou mesmo antes, de avi�o.

b) Avisar ao Streiffer que os tr�s m�dicos angolanos -
- Tu ,Boavida e Santos -,que estar�o a� certamente antes da chegada dos medicamentos, est�o prontos a entrar imediatamente em actividade com os medicamentos enviados da Su�cia pelo EXPRESSEN.

c) Deixar boa impress�o ao Streiffer . Para isso, recomendaremos -te um trato o mais diplom�tico poss�vel e a maior circunspec�o poss�vel . � fundamental que, depois do teu encontro com o Streiffer , este n�o fique com a impress�o de que a vossa actividade vai constituir uma esp�cie de concorr�ncia as fun�es dele e a actividade da liga das sociedades da cruz vermelha para o Congo.
Pelo contrario.
d) Sondar , habitualmente , a opini�o �ntima do Streiffer sobre a vossa futura presen�a junto dos refugiados . Tentar saber se h� influ�ncias, opostas a actividade da CVAAR , na pessoa do Streiffer e dos seus colegas.

e) Deixar em toda gente a convic�o firme de que a actividade da CVAAR ser� humanit�ria e apol�tica . Quero, no entanto, lembrar-te quee a melhor maneira de impor a ideia de que a CVAAR � apol�tica n�o consiste em declarares que ela � � apol�tica�, mas sim em mostrares um interesse humano, m�dico, por todas as v�timas da guerra. Quero dizer: o apoliticismo da CVAAR ser� inculcado no esp�rito dessa gente de maneira indirecta: atrav�s das tuas atitudes e do teu interesse humano e de t�cnico pelos doentes v�timas dos acontecimentos de Angola.

Fala pouco e ouve muito. � pela bouca que morre o peixe.
f) � fundamental que, depois do Streiffer te conhecer , deixes neste indiv�duo uma esp�cie de compromisso de consci�ncia que o impe�a de dar os medicamentos um outro destino diferente ,sem primeiramente te consultar.
2- O Aquino Bragan�a vai enviar-te de Rabat o original da carta do director do EXPRESSEN . Em caso de necessidade , essa carta poder� servir de tira-teimas sobre o destinat�rio dos medicamentos.
Tudo faremos para que dentro de dias o Eduardo e o Am�rico estejam a�.

3)- Diz-nos urgentemente se a War ON Wait j� transferiu o dinheiro para a�. Tenho insistido com o CABRAL para que isso se realize o mais depressa poss�vel . Mas achamos estranho que o CABRAL n�o tenha, at� hoje, acusado a recep�o da vossa carta para a WAR ON WAIT.

Achamos conveniente que, logo que chegues ao Congo , escrevas ao CABRAL informando-o de que j� estas a� e que outros m�dicos chegar�o dentro de dias .
Sa�de para a tua fam�lia e para ti.
Coragem , bom trabalho e prud�ncia!

P.S.- O original desta carta ,envi�mo-la , nesta mesma data , � nossa caixa postal de Brazzaville.

VIRIATO DA CRUZ

Anónimo disse...

UMA CR�TICA MUITO DURA AOS M�TODOS DO MPLA

Ao saber da conversa ocorrida em Acra (Ghana), L�cio Lara reagiu: � Os cubanos falam de mais�

HUGO AZANCOT DE MENEZES

Longe de mim a pretens�o de ter feito hist�ria ou de escrev�-la.
Contudo, vivi factos que envolvem, tamb�m , outros protagonistas.
Alguns, figuras ilustres. Outros, gente humilde, sem nome e sem hist�ria, relacionados, apesar de tudo, com per�odos inolvid�veis das nossas vidas.
Alguns destes factos , ainda que de fraca relev�ncia, podem ter interesse, como � entrelinhas da Hist�ria�, para ajudar a compreender situa�es controversas.
Conheci Ernesto Che Guevara em Acra , em 1964, e comprometi - me a n�o publicar alguns temas abordados na entrevista que tive o privil�gio de lhe fazer como � rep�rter� do jornal Fa�lha.

J� se passaram mais de 30 anos. O contexto actual � outro.
Pela primeira vez os revelo, na certeza de que j� n�o � o quebrar de um compromisso, nem a profana�o de uma imagem que no
A entrevista realizou-se na resid�ncia do embaixador de Cuba em Acra , Armando Entralgo Gonz�lez, que nos distinguiu com a sua presen�a.
Ali estava Che�
A sua tez muito p�lida contrastava com o verde - escuro da farda.
As botas negras, impecavelmente limpas.
Encontrei-o em plena crise de asma, Socorria - se , ami�de, de uma bomba de borracha.
Che Guevara , deus dos ateus, dos espoliados e dos explorados do terceiro mundo, deus da guerrilha, tinha na m�o uma bomba, n�o para destruir mas para se tratar� de falta de ar. Aspirava as bombadas, dando sempre mostras de um grande auto -dom�nio.
Fora-me solicitado que submetesse o question�rio � sua pr�via aprecia�o - e assim o fiz.
Uma das quest�es dizia respeito � cultura da cana - de - a�car em Cuba.
Como encarava ele a aparente contradi�o de combater teoricamente a monocultura - apan�gio dos sistemas de explora�o colonial e t�o t�pica dos sistemas de explora�o colonial e t�o t�pica do subdesenvolvimento - ao mesmo tempo que fomentava, ao extremo, a cultura da cana e a produ�o de a�car - mono -produto de que Cuba se tornaria, afinal, cada vez mais dependente?
Outro tema que nos preocupava, a n�s , africanos, era o papel dos cidad�os cubanos de origem africana na revolu�o cubana e a fraca representa�o deles nos �rg�os de direc�o dos pa�s e do partido, os quais tinham proscrito qualquer discrimina�o racial.
N�o constituiria o comandante Juan D�Almeida - �nico afro - cubano na direc�o do partido - uma excep�o?
Entretanto, a crise de asma agudizava-se , o que nem a mim me dava o � - vontade requerido nem, obviamente, ao meu interlocutor a disposi�o necess�ria para o di�logo.
Insistiu para que eu o iniciasse. Ao responder - lhe que n�o me sentia � vontade para faz�-lo, em virtude de seu estado, disse - me em tom provocante e com certa ironia :� Vejo que voc� � um jornalista muito t�mido.�

No mesmo tom lhe respondi, que n�o me tinha pronunciado como jornalista, mas como m�dico .� Comandante, as suas condi�es n�o lhe permitem dar qualquer entrevista�, disse-lhe eu.
Olhando-me , meio surpreso e sempre ir�nico, replicou: � Companheiro, eu n�o falo como doente, tamb�m falo como m�dico.
Em meu entender, estou em condi�es de dar a entrevista.�
Mas a crise de asma n�o melhorava, tornando imposs�vel o di�logo. Foi necess�rio adi�-lo.
Reencontr�mo-nos dias depois. Estava, ent�o, quase euf�rico. Referindo-se � atitude dos cidad�os cubanos de origem africana, � sua fraca participa�o na revolu�o, disse n�o gostar de se referir � origem ou � ra�a dos homens.
Apenas � esp�cie humana, a cidad�os, a companheiros.
Manifestei-lhe a minha total concord�ncia. �A verdade �, disse-lhe eu, �� que a revolu�o cubana tinha suscitado em todos n�s , africanos, uma enorme expectativa, muita esperan�a, pois que, pela primeira vez, assistia-mos a um processo revolucion�rio de cariz marxista, num pa�s subdesenvolvido e eis - colonial , tendo, lado a lado, cidad�os de origem europeia e africana, e onde a discrimina�o racial tinha sido, e ainda era, t�o not�rio.�
Cuba seria pois, para n�s, africanos, um teste. Segu�amos atentamente a sua evolu�o e quer�amos ver como seria resolvido este problema.
Muitos, em �frica, mostravam-se c�pticos. Mais do que interesse, da nossa parte existia ansiedade.
Segundo Che Guevara , a popula�o de origem africana, a principio, n�o participava no processo. Via-o com uma certa indiferen�a, como mais uma luta�
�deles�. Mas a desconfian�a estava a desaparecer, era cada vez maior a ades�o, � medida que iam constatando que este processo era totalmente diferente daqueles que o precederam. Que era um processo para todos.
Che Guevara acabava de chegar do Congo - Brazzaville.Visitara as bases do MPLA em Cabinda (de facto, na zona fronteiri�a Congo/ Brazzaville /Cabinda) .
Pedi - lhe que me desse as impress�es da sua visita. Che n�o era um diplomata, mas um guerrilheiro, e foi directamente � quest�o:
� O MPLA tem ao seu dispor condi�es de luta excepcionais.
Quem nos dera a n�s que, durante a guerrilha, em Cuba, tiv�ssemos algo compar�vel. Mas estas condi�es n�o est�o a ser devidamente aproveitadas, exploradas �
O MPLA n�o luta, n�o procura o inimigo , n�o ataca�
O inimigo deve ser procurado, deve ser fustigado, deve ser perseguido, mesmo no banho. Agostinho Neto est� a utilizar a luta armada apenas como mero instrumento de press�o pol�tica.�
Dei parte da conversa a Agostinho Neto. N�o reagiu. Tal como a L�cio Lara, que me respondeu:
� Os cubanos falam demais.�
Mas Che falava verdade. Durante v�rios anos, na minha qualidade de respons�vel dos servi�os de assist�ncia m�dica da 2� regi�o pol�tico - militar do MPLA (Cabinda ) , fui disso testemunha a cada passo.
A� e assim , como contesta�o a esta e outras situa�es id�nticas, surgiria dentro do movimento, antes de Abril de 1974, a Revolta Activa.

Hugo Jos� Azancot de Menezes foi m�dico. Foi um dos fundadores do MPLA

Anónimo disse...

Léopoldville ,13 de Novembro de 1962




Meu Caro Hugo, ( Hugo José Azancot de Menezes)

Em 20 de setembro ultimo, escrevi - te para que, por mim, agradecesses à Salette pela compota enviada e me dissesses algo quanto ao destino a dar os 18.090,- CFA que recuperei da chargeur reuni como reembolso do bilhete Pointe Noire /Lomé, não utilizado pela tua família.
Em 29 daquele mesmo mês a pedido do Mário , fiz-te um telegrama por este ditado, exageradamente conciso, pedindo-te para que na medida do possível, dispusesses as coisas de forma a tomares o primeiro barco para Léopoldville que por aí passasse depois daquela data. Só agora vejo que, contrariamente ao que o Mário me convenceu era ele quem deveria ter assinado o telegrama em causa.

Ontem, enderecei - te meu segundo telegrama, rogando a tua intervenção junto das autoridades Ghaneenses, no sentido de facilitarem o desembarque do Carreira em Tokoradi.
Receio, pois, que este meu telegrama (último) venha merecer sorte igual do meu anterior correio.
Não quero sequer discutir a “ grandeza” das razões que estariam militando a favor do teu silêncio, a ponto até de darem primazia à falta de indicação de tua parte quanto ao destino a dar aquela “ massa” em meu poder.
Quero apenas pedir-te ,por favor, a tua melhor atenção e interesse neste assunto Carreira, informando-nos a tempo no que virão resultar as tuas “ demarches” para assim sabermos para onde enviar o “ Título de viagem” conseguido à seu favor.

Ainda sobre o telegrama de 20/9: talvez não fosse descabido se contactasses o Mário acerca do seu conteúdo , isto é , se ainda o não fizeste.
O Aníbal de Melo diz te ter feito carta pedindo as gravuras - ( titulo - pequeno e grande - do jornal) .

Recomendações à Salete e beijos aos V/ pequenos. Aceita um aperto de mão cordial do Camarada Matias.

Matias Migueis

Anónimo disse...

CORPO VOLUNT�RIO DE ASSIST�NCIA AOS REFUGIADOS
(C.V.A.A.R.)

Brazzaville ,18 de Setembro de 1961



Caro Mario de Almeida, prezado compatriota:

Sauda�es cordiais. Em resposta � sua carta de 8 de setembro de 1961, temos a informar-lhe que estivemos com o Videira em Accra e lhe fizemos ciente dos objectivos da nossa organiza�o.

Junto lhe enviamos os estatutos para sua completa documenta�o.

a) Alojamento: O comit� Administrativo da nossa organiza�o resolvendo que o bureau principal do C.V.A.A.R. ficasse instalado em Leopoldville, e os m�dicos morassem juntos num sistema de m�sse, numa villa que satisfizessem as condi�es exigidas para todos os casais.

b) O local de trabalho � junto dos refugiados ,ao longo da fronteira com Angola.

c) As desloca�es s�o � cargo da organiza�o

d) Aguardamos a oficializa�o do C.V.A.A.R. pelo governo do Congo para iniciarmos a nossa actividade. Nessa altura entraremos em contacto consigo.

e) N�o h� propriamente honor�rios. Consoante as possibilidades materiais do C.V.A.A.R. ,assim ser�o as verbas para manuten�o dos m�dicos e suas fam�lias.

E � tudo. Aceite as nossas melhores sauda�es fraternais com um abra�o amigo.




Pelo comit� Administrativo do

CORPO VOLUNTARIO ANGOLANO DE ASSISTENCIA AOS REFUGIADOS




Am�rico BOVOADIDA (Secret�rio Geral)